LEVANTAMENTO DE PESOS
O peito do pé de Pedro era preto,
mas, tão bem roxo fosse, isso tanto faria.
Ainda que tentasse ver o que já não notava,
sob a esfera da pança, quase nada veria.
Pé de chumbo, nunca parava, tomado de pressa.
Mão de vaca, dizia ao filho: -Todo gasto sempre meça!
Contava o dinheiro no fim do mês e não fazia conta do valor que tinha.
O corpo mole era osso duro de roer...
Só lembrava o próprio pé para batê-lo em teimosia.
E não dava o braço a torcer,
enquanto dava de ombros para qualquer alegria.
As pernas, usava para tentar abraçar o mundo,
A barriga, exercitava no empurra-empurra dos problemas diários.
Com alma fora de forma, fez da carne um escudo,
resistente e guardado em seu físico de armário.
Gabando-se durão, não sentia para os passos sentido.
Pedro no caminho, no caminho, havia uma pedra,
fez que não viu o obstáculo e pisou no cascalho, o dedo ferindo.
Mas, não se abalou e o sangue frio limpou
na folha de jornal que encontrou jogada.
Sua hemorragia misturou-se à do cara da foto
da página policial, ao lado de uma palavra cruzada.
Maior prova de força viria só depois.
Seu sobrenome Pedreira, sobrenatural Pedro foi,
quando, em choque com um carro fora da faixa de pedestre,
deixou-se cair em faixas sobre o asfalto silvestre.
A cabeça dura, menos lesionada, quicou até a sarjeta
e voltou para se juntar às outras partes do organismo,
inabaladas e habituadas a estarem assim separadas.
Encaixaram-se membros em fratura exposta ao tronco ruído,
diante da multidão, com a cena, extasiada.
O que aquilo significava? Um morto-vivo andando podia ser sinal do fim do mundo...
Burburinho tamanho foi menos choque e mais sede de sangue.
Logo o tumulto se dispersou, e ninguém mais viu como anormal aquele instante.
Pedro petrificado e, cada vez mais, putrefato
continuou seu rumo solitário e indolor.
Vez ou outra, descansou moribundo na calçada
e somou aos mendigos, sua ferida e bolor.
Até que se deixou cair, sem entender o porquê da fraqueza.
Tinha que se levantar, de novo, duro, para pôr níquel no bolso e comida na mesa.
Porém, já não se agüentava em pé o pobre Pedro Pedreira, pai preto e pedreiro.
Sua morte serviu para que descobrisse um dia ter vivido, pois, de baixa pressão, seu pulso normal era zero, e o batimento cardíaco, excluído.
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