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TPM


Tensa
Para Melhor Tragar e Pós Mitigar Tri Paixões Mulheris
Para
Mistificar,
Tiroteiando
Parceiros
Mudos,
Tesouros
Publicamente
Menosprezados


ESPONJA

Quis fazer caber numa palavra
tudo o que o mundo abalava.
Mas, frustrado, tornou-se metáfora.

Ía caminhando pelas ruas e, a cada vala,
numa diferente parte podre de si resvalava.

Via que cada um que cruzava
estava numa encruzilhada e não percebia,
enganosamente agarrado a uma carta,
de jogo, da cartomante, do apóstolo ou do amante.

Que flagrante
havia dado na miséria sem classe ou cara.
Não havia mais espaço ou classificação para a angústia que,
por osmose do todo, o tomara.

O arredor ruía, mas só ele notara.
Por seus sentidos porosos tudo entrava e nada jorrava.

Absorto em poetização solitária,
seguiu transpirando sonhos natimortos
em meio a uma nuvem carregada.

BRINCADEIRA DE LEI

Tem uma lei, tem uma lei
E tenho que seguir.

Mas, sei que tem, tem outra além
e eu quero seguir...

Por lá eu só quis caminhar,
mas a placa indicou que eu devia parar.
E a curva que veio como onda a puxar,
eu tive que dispensar por só saber ficar.

Tem uma lei, tem uma lei
E tenho que seguir.

Mas, sei que tem, tem outra além,
e eu tento seguir.

Por que será que só,
só sei saber o que mais alguém sabe
de letras tão grandes que amassam meu ser?

Por que será que só,
só sei dizer o que já li escrito
em folhas de chumbo e madeira de lei?

Tem uma lei, tem uma lei
E tenho que seguir.
Mas, sei que tem, tem outra além
e creio, vou seguir.

No mar, eu só quis caminhar,
mas o vento falou que era pra eu navegar.
E, num barco sem freio, eu não pude parar
porque a imaginação não sabe legislar.

PANCADA

Tenho medo da chuva,
não pela fúria do seu trovão,
mas pelo clarão dos raios.

Não me assusta o pranto em forma de enxurrada,
tampouco fujo do vento que faz a ideia embaraçada.

Temo sim o fato de água ser límpida e passageira.
Gotas passam por mim e logo secam ao sol que vem.
Mas, sigo molhada sem ter lavada a parte que não convém.

Queria ver cada jato penetrar fundo a pele,
fazendo a varredura de tudo o que dentro fosse folha seca.

Peço para o choro do céu umidecer o peito,
mas ele só salga a face antes de morrer no leito.

Bom seria a chuva não soubesse somente chorar e fazer chorar.
Bom será quando a fé, essa sim, quiser me aguar.

Pois, sentimento é raiz,
mas sofrimento é terra
que se pode remover e arar.

Desilusão é tão natural quanto cheia no rio.
E não criei ainda canais para conter futuras mágoas.

Resta então o eterno magoar-se em águas,
sem, porém, deixar-se afogar.

Toda terra é cultivada
e a natureza, renovada.

VÔO

Ouvi um professor letrado dizer que era um absurdo a última Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa ter retirado do verbo voar, quando transformado em substantivo, o acento. Para ele, depois da mudança a palavra deixara de ter movimento porque perdera a asinha ao contrário sobre a sua cabeça, que antes lhe fazia poeticamente voar.

Pensei, depois, enquanto via uma ave em voo da minha janela que o mundo também me tirava aos poucos pequenos detalhes naturalmente parte da minha ortografia. O acento no nome próprio não havia saído do lugar com a nova gramática. Mas, durante o dia, todo o tempo, trocavam-se as sílabas do meu modo de ser até que eu perdesse assento nessa confusão chamada dia-a-dia (será que isso tem hífen pela nova regra?).

Agora o tracinho é o vilão dos vestibulares, e eu sem sentar no ônibus brinco de acentuar de modo diferente velhas palavras, criando pra elas um novo traçado. Quem me dera poder viver e escrever o tempo todo, segundo o que entendo ser bom e belo. Viajei com tais idéias (já que o texto é meu, recuso-me a tirar nele o acento do E de "idéia" por pura rebeldia) até que minha mente parasse, junto com o trânsito caótico e também parado.

Na cidade onde as coisas só param quando não querem parar, cai como uma luva a supressão do acento diferencial entre o "para" da preposição e aquele que vem do verbo na terceira pessoa do singular. "Excesso de carros para o trânsito" é frase de intrínsica ambiguidade. Os congestionamentos param e também são para o trânsito inevitável realidade.

Só consegui terminar meu devaneio sobre como seria acentuar tudo de acordo com minha vontade já de frente à paisagem iluminada e barulhenta que avisto de minha janela. Foi quando se aproximou do meu olhar a ave que eu observara longe, e então percebi que se tratava de um saco de lixo negro, voando como uma ave escura no céu cinzento, sem assento ou pouso certo. Preferi continuar pensando numa ave se dirigindo até mim em vôo livre, embora meu pássaro imaginário não tivesse acento ou qualquer outra coisa que, auxiliando a expressão linguística do seu sentido, pudesse lhe dar graça.


NOIVA

Andou dez passos como fossem milhas,
Vestiu o travesseiro como a própria filha,
Esperou que uma noite fosse toda a vida.

Chegou ao pé da cruz com as duas pernas bambas,
Esperou que lhe acolhessem sobre a velha cama,
Dançou valsa sozinha abraçando a taça. 

Embebedou-se de amor,
Enamorou-se da praça.

Caiu sob o véu da neblina da tarde vazia,
Pediu benção dos céus pr 'agonia coletiva,
E abraçou chorando suas lembranças vivas.

Enquanto se entregava em lua de mel ao acaso,
teve com o caos um caso...

E assim causou no mundo,
Acusou os homens
e acenou à morte.

Até que, açoitando e aceitando a sua fragilidade,
Deitou-se esposada da humanidade.