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QUESTÃO DE AMOR

O que nos faz amar?
O que nos torna capazes de sentir?
Será o mesmo que nos faz ter vontade de doar sem nada em troca querer?
Ou é o querer tudo fazer para quem se quer em troca do bem fazer?

Não tenho as respostas para tanta interrogação sem fim.

Mas, também não acho que as questões foram feitas para serem analisadas, compreendidas, sequer respondidas...

A utilidade que nelas vejo é a de fazer pensar e novas dúvidas criar.

Algo me diz que sei amar,
coisas sem som nem grafia.

Ainda não sei distinguir paixão de amor,
dizem que são coisas distantes,
mas, para mim, são instantes do mesmo ardor.

Talvez não tenha vivido tanto para saber,
se viver é passar dias amando, e não passar pelos dias.

Tenho medo de desperdiçar meu hoje com falsos sentimentos,
mas não quero deixar meus sentidos por temer o amanhã.

Quem sabe o amor não está na ausência de receio,
no seio da dor, em não haver termo ao meio,
mas ternura quando uma fase tiver que terminar?

Há coisas que nos cercam
sem aprisionar,
enquanto a falta de enxergá-las
faz de nós mesmos prisão.

Libertar o coração,
e não achar que o que se perde é em vão...
Até onde é amor, ou ilusão?

Não sei onde deixei minhas chaves!

SE

Se eu tirasse a saia,
e me despisse da pele de mulher,
dos cabelos perfumados de fêmea,
dos quadris com gordura de parideira,

Se deixasse exposto,
arrancado para fora dos peitos feitos para dar leite,
o sangue leitoso das minhas vértebras, que pulsam,
e são capazes de feder ao simples tropeço,
frente ao carro acelerado que atravessa a rua,

Se assim eu me mostrasse, como sou,
falível, podre,
feia e viva por dentro, tal qual todos...

Sei, pode ser, ninguém me notasse,
ou me desviassem,
como deixo de ver muita coisa desagradável
aos olhos, mesmo o que está em mim.

Olhos de gente são viciados,
querem o gosto do transe fácil
que vem da transa ou do trago.

Eu tranço dores que trago comigo
e não quero dividi-las,

mas, procuro quem veja além do que exponho,
sem saber ser diferente, enquanto diferencio
o que me faz ser do que alegra.

SÓ COMPANHIA

Há coisas que não se paga,
apenas se agradece,
e não a quem deu,
mas ao que inspirou a vontade de doar
no mediador de qualquer dádiva.

A voz do próprio silêncio,
a embriaguez da solidão,
o sopro que vem com a música da maresia,
ou a voz simples e verdadeira do sambista.

Não há por que se envergonhar de ser só.
Sou o que ninguém mais pode ser.

Isso não é bom nem mau.
E o que dizer dessa antítese,
se antes é tese o que se diz
da separação entre opostos?

Oponho-me às dicotomias.
O branco traz nele o negro.
E eu trago todas as cores e chegas que cabem no mundo.

LENDA DO MATO

Que mistério há
na lenda popular?

No conto de que quem passa
na figueira cheia de graça,
leva uma coça de mão sem carcaça?

Diz que quem bole com a mulher do compadre
origina rebento que bento não é.
Pra espiar os pecados do que pula a cerca,
o diabo, pra que nenhum mais se perca,
faz homem ser lobo em noite de lua cheia.

Que mistério há na lenda popular?
Na pinga que engana o que o zóio vê,
e é tão barata que chega a ter
mais do que gota na água que é de beber?

Esses causo que contam no mato
é coisa séria, sinhô sabe não?
A água que corre no rio não vem do chão.

Vem do céu, da nuvem, do vapor que sai do suor
das plantas que brotam história que eu sei decor.

Diz que o dotô que entrou na floresta
Não mais voltou, quis ficar.
A natureza não deixa fresta
pra quem não costumava olhar.

Como pode tanta gente presa,
em gaiola de papel e mesa,
não sentir essa paz que escorre das pedras
e refresca toda frieza?

Que mistério há
na lenda popular?

Não sei se é só invenção, essas coisas que ouvi por lá.
mas, se for, é só isso mesmo o que deve ser tudo que há.

O que a gente ainda não sabe é que não precisa crer,
mas tem que guardar num canto pra não esquecer.

CULPA

Decidir que as pessoas não são coisas,
que um bem feito por outra força, além da humana,
não é coisa, mas vida,

que o trabalho não é razão de ser, mas invenção do ser,
que as pessoas não são só o que fazem,
que o que se faz quase sempre não tem sentido

e que a falta de sentido não significa ausência de beleza,
mas a incapacidade de ver beleza tira de tudo o sentido.

Se perguntam o que sou, esperam ouvir minha profissão.
Mas, a reposta que quero dar a essa e qualquer outra questão
é a de que simplesmente sou.

E se não sei por qual motivo um dia alguém decidiu que eu devia estar na Terra,
tampouco um dia baterei no peito, afirmando com orgulho ter alcançado auto-conhecimento.

Admitir que a melhor terapia é a que faz perguntas sem buscar clarão em respostas,
que a escuridão é diferente da cegueira,
e vendar-se para o que tem carne traz luz
a cada um dos milhares de sentidos adormecidos que carregamos
como células ainda não descobertas pela ciência.

Permitir-se tomar um café e escrever maluquices, ao invés de trabalhar,
buscar no ócio uma vocação,
não perseguir fontes de informação,
mas deixá-las brotarem da fertilidade improvável de rochas pontiagudas.

Desejar ser a menina que vê graça no vôo do pombo fugindo ao toque,
Ser livre demais para sentir calma no conforto
e muito humana para não querer um porto.

Sonhar com um amor inexplicável e indolor,
enquanto persigo o risco da dor, caminhando
na beira do penhasco das paixões ilusórias.

Abraçar o perigo,
Assumir que a possibilidade de queda está em tudo,
e a fantasia decepcionada não foge a nada.

O mundo é vários e tão real na aparência...
Ao mesmo tempo em que uma só parte do planeta
é como uma carta de tarô escondendo outras.

Cada um forma o jogo como quer e usa a mágica da aposta
e da espera inquieta pelo destino.

A única escolha de todos é esperar.
E eu só espero não mais ter que me desculpar
para alguém que, como eu, não tem régua
que meça o tamanho da escala real do mapa que traz na mão.

A pessoa que tanto temo, cobro e abomino,
olha-me com reprovação quando estou voltada ao espelho,
um quadrado que foi feito pelos homens para refletir,

e troquei por dinheiro para ter onde me torturar.

ARTEÍSMO

Sábio quem disse que nada se cria.
Minhas idéias são transformação do que
um dia minha mente amou e meu coração entendeu.

Sinto segurança quando falo frases gasosas
que ninguém compreende.
Há coisas que nascem para ser degustadas,
internalizadas, sem a mínima razão ou entendimento.

Talvez tudo tenha surgido assim,
com o simples propósito de ser aceito.
Mas, não quero ser abrigada sem perguntas,
como não quero que isso façam com meu versos.

Se me dizem que leram um texto meu,
depois de dividirem comigo o que sentiram em cada linha,
sem ter isso sentido para o que ardia em mim quando escrevia,
alegro-me.

Percebo contente que sou lida por quem em nada me entende.
Respiro aliviada por ser uma eterna incompreendida,
amada por ser mal interpretada,
e amante de quem me usa pra se auto-interpretar.

Vivo a buscar um texto que se descole da minha alma,
perdendo a forma até para sua fonte no instante seguinte.

Se amanhã eu ler isso e sentir de novo o que agora me invade,
verei em tal feito obra oca.
Por isso, prefiro fechar a boca,
abrir os olhos com força,
deixar-me invadir por sussurros
e sons mudos da natureza.

Quando calo o raciocínio o que tenho é livre e verdadeiro,
do alto da louca fantasia em que imergir me deixo.

A única inspiração que existe é a do ar.
O resto é in piração do leitor.


A ARTE DA DÚVIDA

Por que é tão fácil esquecer?
Como a lua que se deixa espiar sob um véu de nuvens,
a verdade se esconde, querendo ser achada, numa névoa de pensamentos.

Cada gesto e letra que ofereço sobre o mundo
é, de fato, artefato que faço acerca de mim.

Escrevo por não ter certeza.
Acerto quando sou a mira.

E escorro, escrita na arte que crio
a cada mirada pela janela que trago no peito.

Por que as pessoas se esquecem?
Vivem se olhando no espelho e não decoram
nada do que decoram
para disfarçar o que é imperfeito.

Quisera eu poder levar emoldurado o rio onde me vejo refletida.
Na água, pude enxergar me olhando, molhada, e de vista cerrada.

Mas, sei que não é preciso aprisionar a natureza
feita para ser corrente e não, acorrentada.
Basta recordar que ela é de tudo morada.

Sabendo isso, que só sei de mim,
mas soube de anjos e poetas,
passei a me ver numa folha brilhante de planta,
na gota da chuva, em lágrima de gente, no vidro de um prédio,
e até na íris de quem comigo conversou sem palavra.

Escrevo e falo de mim por não saber nada.
E me embaraço por não poder assumir essa impotência
ao retratar o que miro com vista embaçada.

Por que as pessoas esquecem que tudo o que são parte de nada?

Desde sempre, sou solidária ao sólido ato de expor-se em feridas e fraquezas,
mas dentro de um mundo líquido e duro, também criei minhas fortalezas.

Meus textos publicados como fato,
são montes de artigo indefinido.

Eu me defino como um ato momentâneo e não factual.

O que ora rascunho pra me desenhar
foi anotado com a lama do fundo de um rio.

Não demora, essa tinta de leito estará seca pelo vento
que leva a neblina a ocultar a lua.