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PARTO

Houve tempo em que meu ideal de paz eram os gestos que evitassem a mínima desavença. Quando era pequena, qualquer brincadeira mais ríspida de um colega da escola já era motivo para lágrimas ou denúncia da agressão aos meus pais.

"Pára de se fazer de vítima!", dizia minha irmã mais velha, nas vezes em que eu reclamava assim de uma briga nossa, ao invés de me defender. Lembro que, quando ela agia dessa forma, dura e desinteressada frente às minhas demonstrações de fraqueza, eu me sentia ainda mais injustiçada. Mas, será que ela não estava com a razão?

Outro dia, enquanto conversava com meus pais à mesa do almoço, senti um desconforto familiar me agulhar o peito. A experiência poderia ser comparada à de uma assadeira antropomorfizada que, consciente da massa de bolo ainda crua e decantada em seu fundo, surpreende-se quando a mistura infla dentro de si.

Naquele instante de conversa, eu recebi a dose de calor necessária através do excesso de zelo das palavras de meu pai e, de repente, um sentimento assado em fogo baixo cresceu e veio à tona. "Não sou mais criança"- disse bruscamente ao meu protetor. Ele, ofendido, retrucou: "Então, pare de agir como se fosse uma".

Fiquei sem resposta. Resolvi não me comportar como nas discussões com minha irmã no passado. Inclusive, desejei a presença dela ali, na forma de voz da consciência, para que eu tivesse sua coragem crítica de dizer o que estava pensando, sem me preocupar com a opinião ou reação alheia.

Mas, agora, eu me encontrava só, frente a uma das pessoas que mais me amaram até hoje na vida e no mundo. Sentia-me menor do que na época em que chorava por qualquer xingamento infantil. E estava assim desabrigada porque havia me deslocado, por vontade própria, até o espaço solitário da ponta de uma corda puxada do outro lado por, quem diria, meu pai.

Após tanto ter desejado, dentro do meu silêncio seguro, ser capaz e livre para alcançar tudo apoiada em nada, foi como se pela primeira vez eu estivesse solta de um cordão umbilical forte. Talvez meu pai, do outro lado da corda, sentisse a mesma dificuldade, enquanto, sem se darem conta, ambos puxassem a linha que os une para o mesmo sentido: o da busca por fazer o melhor.

Essa mão que continua agarrando a corda para o meu bem foi tão imprescindível em dias sem sol e noites sem paz, que agora até me sinto ingrata dizendo, desta vez, não precisar de uma força. Com insegurança e inexperiência de filha, sei que retroalimento uma inércia das velhas posições de comando e dependência. Mas, é preciso seguir.

Não acredito mais que só o sorriso é bom, nem escondo meus olhos numa cortina de lágrimas quando me é posto um conflito. Aliás, passei a achar as brigas muito mais interessantes que a pasmaceira de dizer sim a tudo para não correr o risco de desagradar.

Os embates são bons porque, depois deles, vem a reconciliação, cheia de falhas reconhecidas e declarações de afeto, buscando perdão. A calma perene esconde insatisfações e é avessa à espontaneidade. Onde pouco se fala sobre descontentamentos e discordâncias, pode haver montanhas de mágoas e recalques varridos para debaixo de um tapete luxuoso.

Não me tornei uma chata que quer discutir a relação familiar o tempo todo. Só despertei para o fato de que as pessoas que se amam devem se permitir brigar e também partir. Com o coração partido, partindo e sempre presente, meus pais, estamos ficando velhos, mas ainda não paramos de crescer. Amor confiante é o que me faz ficar forte, não espinafre.

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