Se alguém houvesse filmado aqueles olhos antes das lágrimas, teria capturado neles o reflexo de palavras. O punhado de letras faiscando naquele olhar tinha saltado com tanta força e delicadeza do papel, que alcançou um canto misterioso da mente que lia. Ou seria, na verdade, a alma única leitora para tamanha beleza?
Quem viu a cena só soube que ele estava mesmo lindo enquanto chorava. E porque nunca escancarasse assim sua sensibilidade, primeiro, seu comportamento causou surpresa.
"O que te deixou triste assim?", perguntou a filha mais nova.
"Isso não é choro de tristeza. É que tanta lembrança tinha que transbordar de algum jeito".
A menina não entendeu, mas percebeu que só estaria perto de compreender quando visse o que guardava o livro aberto sobre o colo do pai.
Na página marcada e um pouco molhada de emoção líquida, liam-se versos de Rubem Alves sobre o cenário e as experiências da infância do autor.
O campo, os pássaros, o rio, as manhãs...Como podiam coisas que a gente tem tão fácil na natureza se tornarem elementos fantásticos de uma hora para outra, com um simples toque de poesia? O sagrado na simplicidade é uma verdade universal, não sugestão do poeta.
Ela começou a ler de novo o texto em voz alta, mas não pôde terminar. Se alguém tivesse filmado estes olhos, poderia ver para sempre escorrerem deles uma água salgada e incontida com tanta doçura.
"O que foi?", dessa vez, o pai perguntou.
"É só minha falta de lembranças transbordando".
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