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HIPOCONDRIA

Há uma semana, trago esta sensação estranha de dor
que transpassa os músculos e ossos
mais próximos do coração.

Na sala minúscula do prédio, perto do metrô Anhangabaú,
um médico que fala esquisito me atende.

O exame admissional para o próximo emprego se torna oportunidade
para a queixa de algo sensivelmente indefinível.

Pressão normal, nada estranho para o doutor,
quando escuta as batidas do peito e os jatos de ar
que me vão do nariz às costas.

Ele me indica um ortopedista se a dor continuar.
Eu tenho a impressão de que é coisa grave,
dessas que não passam com sono e analgésico.

Talvez fosse a ressaca da noite anterior,
ou a tensão de se ver correndo por ruas cheias de pessoas,
sem poder parar para lhes ver a cor da face,
enquanto o relógio exige o caminhar veloz para, em seguida,
parar
em alguma fila,
dessas emperradas de gente com olhar vazio e ânimo pálido
diante de qualquer contrato.

Foram tantos os documentos e exames para provar quem sou,
que me deixei esquecer os porquês de onde estava
para pensar o que eu era.

Mas, de novo, a resposta não veio,
e voltei ao emprego antigo onde ainda restava um dia de obrigações
a cumprir.

Antes, saí da sala onde podia ler “Excelência em Recursos Humanos”
humanamente sem recursos para me ver com excelência.
Porque o que é excelente é insolente, se não significa
o que se espera da palavra.

Continuo com este aperto e às vezes o confundo com um infarto,
pânico besta e delirante que aumenta minha ânsia
por romper este corpo,
deixando meu espírito pueril correr,
para abraçar e absorver tudo o que ama
com urgência.

Penso, então, talvez fosse bom
que essa pontada no coração me acompanhasse
para sempre, lembrando a todo instante,
que um dia serei morte.

Euquanto espero, às vezes, pago comida para mãe e filha,
sujas e magras,
e também engulo a minha com enjoo.

Quero vomitar o que não sou,
quando sinto o gosto amargo da piedade caridosa.

Desejo beber algo forte antes de tomar a condução.
rumo aonde esperam que eu me encontre.
Quero fugir de ser respeitável,
se até meu respeito é condicionado por regra universal
e absoluta.

O conceito de bem me assusta.
A maldade me acompanha culpada,
mas não me condena.

Sou só mais alguém que sofre do medo,
corporalmente latejante,
de viver, casca grossa e oca,
sem o sangue que pulsa

e não se mantém com anticoagulantes.


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