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HORAS

Quis passar por tudo,
passando a limpo os dias,

Mas a vida é que me limpou
de raros espaços
para encher cada fresta do tempo
com palavras.

Essa tal linguagem
fala sozinha.
E eu me abandono calada.

Quis conhecer tudo,
mas fui parte de nada,
vi tudo de cima,
deslocada.

Até perceber que meu lugar
era a falta dele,
rarefeita de pessoas,
pouco dispostas a visitar o vácuo.

Evacuada do que mastigo com gosto
sem digerir,
abro o verbo e mostro minhas falhas.

Conheço o que em mim é natural.
Mas, cultivo artificialidades.

Tenho um orgulho plástico,
ilustrado de letras,
Guardo covardia e temor
da essência que se esgota.

Choro lágrimas de sepúlcro
na flor da idade.
Despedaço flores sobre a
lápide que nasce.

E finjo não me importar com rugas,
quando sei que minha alma está
cheia de pregas.

Passar a realidade,
alisá-la a ferro
sem medo da queimadura,
deixá-la com a cor pura,
da presença ausente de tons,
e discursar sem voz.

Não há silêncio que nada diga,
nem som que não se cale.

Ouvir exige não se deixar emudecer,
Falar é envolver a falta de barulho
com algum sentido.

Minhas significações
estão sufocadas
sob calendários
analfabetos.

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