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IDEALISMO

As mulheres ideais são feitas da leveza de nuvens distantes da terra. Eu sou pesada porque feita de carne, crises e desejos.

As mulheres ideais estão acima de qualquer dificuldade. Eu subo e desço degraus o tempo todo, mas acabo sempre no patamar da angústia.

As mulheres ideais têm, na aparência, luz e serenidade. Eu tenho pêlos se não depilo, TPM pré e pós a M, bafo quando acordo, preguiça de me vestir e constantes ressacas.

As mulheres ideais representam maturidade e constância. Eu represento um grande conjunto de sensações bipolares, dúvidas, choros incontidos, vontades de ser abraçada e pedidos de ajuda prática aos planos mirabolantes, que não sei como executar.

As mulheres ideais mantêm o controle em qualquer situação. Meu colo e meu ombro são maiores que minha capacidade para dar conselhos.

As mulheres ideais não discutem sua relação amorosa. Eu discuto até minhas relações com as plantas.

As mulheres ideais são auto-confiantes. Eu sou carente, insegura, medrosa e indecisa.

As mulheres ideais têm amor a dar na medida. Eu sou o exagero afetivo em pessoa.

Sem dúvida, é mais tranqüilo conviver com a mulher ideal. Não seria fácil a vida ao meu lado, como não é fácil a comunhão com qualquer pessoa de ossos, músculos, espírito e idéias.

A mulher ideal não tem ideal, é uma idéia.

Nem quero saber se almas gêmeas existem.

O que busco são almas "gemas", pedras valiosas e rústicas, encontradas na escuridão de cavernas, e com paciência e generosidade lapidadas.


ALIENADA




Ali ou aqui é o nada que me alimenta.
Só vejo imagens em espelhos,

temendo o que deles vive atrás.


Quisera ter coragem para sair quebrando reflexos,

e chamando toda a gente para que o mesmo fizesse,

até o mundo passar a ter a cara da própria imagem.


Não sei bem se existe impressão sem referência.
Eu me imprimo uma intenção de sonhar e sorrir,

E me impressiono se encontro feiúra e desavença.


Até quando, meu Deus? Diga apenas...

O que deve fazer o homem para que te veja?


Talvez abrir os olhos e dele tirar facas para defender a vida.
Quem sabe, arrancar as vendas que lhe tapam vistas e feridas?


Não sei, sei de nada.
Aqui ou ali, é sempre o nada.
Nada de gritos, bandeiras e faixas,

Sigo com os punhos cerrados e atravessados no peito.


Nada de viagens, mudanças e abraços desinteressados,

Meu choro e idéias continuam calados.

Nada acontece de errado. Os dias devem correr bem,

E o silêncio é única palavra.


Permaneço parte da nada animadora manada.
E, a nadar, nada a dar, finjo como tudo, Somar-me a uma verdade esvaziada.


ATESTADO


Palavras são trapaceiras.
Pessoas são plurissignificantes.
Tenho medo de pessoas e palavras.

O que escrevo não pára na linha
e seu sentido segue sentido variados.
Eu permaneço observando e percebo,
também não sei ser linear.

Eu e a língua somos signos,
sou signo de câncer e sina consignada ao tempo,
do viver para sonhar como significado.

Letras são venenosas.
Pessoas são a escrita do que passou.
Eu sou poliglota quando bêbada,
e pulo as grotas de qualquer descaminho.

O mundo que age e fala
vive solto num abecedário desordenado.
Meu discurso desce e sobe ao sabor da mudança das minhas regras ontográficas.

Convicções são folhas secas.
Inverno e outono são obras da natureza que fogem ao controle.
Verão acontece se o pé e a fé são quentes...
Sou prima da primavera quando enxergo suas flores.

Redação é relação.
E, às vezes, também redenção.
É reduto de idéias e
redoma de crenças.

Rendo-me à rede que me prende a frases.
E rodo, mal-interpretada, quando vou para outro lugar,
mudando a ordem das orações.

Todo texto é um teste.
Eu vivo dando testadas...

E só me curo da acidez da linguagem,
corroendo o mundo com novas palavras.