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CARACOL

Ainda não entendia os porquês, embora os por ques não saíssem das frases confusas que ele ainda não sabia pronunciar. Já deveria saber que a bola colorida que lançou no quintal era de quebrar? Por que, então, deviam todo o tempo com ele ralhar?

Queria que nada se fizesse em cacos e tampouco seu corpo se pintasse com manchas rochas e arranhões quando despencasse das escadas, tentando voar. Mas, aos poucos, aprenderia que as coisas se quebram e são frágeis, talvez porque feitas de material duro, não da borracha macia e resistente do mordedor contra os dentes despontando na gengiva vermelha.

Mas, se até os balões, tão fofinhos, estouravam...Será que um dia também o colo molenga da mãe ia se desfazer? E haveria algum mal nisso de se perderem as coisas? Se nem sabia de onde tudo o que amava tinha surgido, como poderia imaginar para onde aquelas coisas iriam depois de acabadas? Ou elas simplesmente somem, sem nada ser colocado em seu lugar?

Certa vez, rasgara um urso de papel que saía de um livro de histórias, em alto-relevo. Viu quando a mãe levou os pedaços do desenho para algum lugar e depois voltou com o urso de novo inteiro. Era então ela quem tudo refazia? Lembrou-se que foi também aquela mulher de cabelo longo e perfumado que havia acalmado a dor do ralado feito no ato corajoso de escalar paredes. As mães deveriam ser como os super-heróis dos quadrinhos, pensou.

Mas, depois, recordou que a mãe do João tinha adoecido. Todos diziam na escola que ela ia morrer. Mas, então, até os seres fantásticos se quebram...Quando fez em pedaços o enfeite de cristal redondo e colorido que ficava na sala, foi a mãe que o estilhaçou um pouco, com chinelo em punho e olhar furioso.

As mães se quebram e também sabem quebrar, assim como ele. Gostava de esmagar formigas com o pé pequeno e não tinha pena quando um gato fugia por ele amedrontado. Só havia se sentido menor que os bichos do quintal quando, certo dia, bateu com um galhinho seco na cabeça de um caramujo, fazendo com que o bicho desaparecesse. O ser mole só tinha se escondido da ameaça dentro da concha, mas ele ainda não conhecia essas espertezas, e pensou que havia cortado a cabeça do caramujo.

-Era tão bonito...tinha antenas! Não queria ter arrancado a cabeça dele- disse à mãe, enquanto essa ria e esperava o bicho sair da toca para mostrar ao filho que ele não havia matado ninguém. O menino acabou rindo também, mas tinha um sorriso hesitante, entre janelas. Descobrira que até as coisas moles e espertas precisavam de duras carcaças para sobreviver.

-Mas, o que é duro quebra...- falou à mãe. Ela, sem dar importância, disse que as coisas só quebram se a gente não cuida delas. Com as mãos em concha, soprou para dentro do ouvido da criança um som engraçado, que a fez gargalhar. O garoto ficou mole como um caramujo e, ainda hoje, tenta achar suas antenas.


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