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CAMALEOA

Para aproveitar cada segundo deste momento raro de indignação libertadora, não vou prestar atenção à beleza das palavras escolhidas para escrever o que cá externo: São Paulo é um cidade camaleão. É uma em dia de sol, outra nas tardes de chuva e caos.

Depois de se passar por suas ruas quando ainda há claridade, já não se reconhece o mesmo lugar, transformado em retrato do submundo formado de perigo e prazeres fáceis. É o lugar camaleônico, onde também são assim as coisas que dele fazem parte. Mercearias se transmutam em puteiros; prédios residenciais antigos são feitos de república; parques verdes e tranquilos, de uma hora para outra, tornam-se bocas de fumo; e ruas de bairros chiques viram ponto de venda de belos corpos de homem...

As pessoas que convivem com o camaleão contagiam-se por essa habilidade para se modificar e ao mais incrível criar adaptação. Senhorinhas se espremem no metrô lotado, sem que ninguém facilite sua passagem. Como elas, os demais do rebanho se deixam levar pelos que empurram atrás, e não resistem à criada necessidade de se condicionar a um mundo que mais parece inferno.

Se chove em horário de pico, os ônibus não param. Já estão lotados, como estão as cabeças de quem sai do trabalho ansioso por chegar em casa. Num dia como esse, prefiro ir para casa a pé. Tenho sorte por morar perto do emprego e, como quem adivinha esse meu privilégio, dão-me guarda-chuvadas, quando tento transpor um dos pontos abarrotados de pessoas.

São gente com pele áspera a grandes distâncias de trânsito e cansaço de viagens na condução a pé. Mudam de cor, como a avenida Paulista sob as luzes de Natal. Riem da piada do cobrador, reclamam do tempo e da política e choram ou passam mal em meio à multidão, num dia de fragilidade. Mas, seguem engrossando o revestimento do corpo para se camuflar em meio a desgraças injustas. Sou parte da bicharada.


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