Uma das minhas maiores diversões, quando criança, era ir ao circo. Gostava de ver o domador se arriscar frente aos leões e apreciava a angústia da torcida para que o atleta esguio, com um macacão colado ao corpo, não despencasse do trapézio.
Assustava-me, porém, o globo da morte. Aquilo era perigo demais. Lembro bem que o barulho provocado pelo contato das rodas das motocicletas com as grades da esfera gigante me causava mais irritação do que adrenalina. As atrações favoritas eram mesmo o mágico com toda aquela habilidade para tirar encantamento de um simples baralho, e o homem com roupa estampada de estrelas, que se equilibrava sobre a corda bamba.
Num picadeiro tão cheio de pessoas dispostas ao risco, dois dos artistas faziam pouca diferença no meu imaginário infantil. Afinal, tudo o que eles tinham para oferecer era um nariz vermelho, sapatos grandes e pontiagudos, olhos que esguichavam lágrimas de mentira e um largo sorriso, que não se sabia se era natural ou ilusão feita de maquiagem.
Já faz tempo que não me permito ir para debaixo de uma lona colorida como aquela, onde as pessoas dividem o olhar entre as performances do centro da arena e o cachorro-quente. Da palavra que dá nome a esse lugar feito de uma arte pitoresca só restou seu uso como parte de uma expressão, com a qual os adultos dão nome à política sustentada em demagogia: “pão e circo”.
Por falar nisso, às vésperas das atuais votações presidenciais, decido adiantar a passagem do tempo de um sábado monótono, almoçando frente à TV. O horário eleitoral traz desde o cantor mal-sucedido que tenta se pendurar num cabide de emprego, até a mulher com nome de fruta que balança os quadris feitos de geleia. O show tem também uma mulher barbada, que conquista espectadores ostentando pelos postiços que emprestou de um certo companheiro. Em seguida, um senhor baixinho de bigode farto, a quem só falta o chicote, promete derrotar o leão da receita, enquanto jogadores de futebol fazem embaixadinha com uma bola murcha de ideias.
Já o outrora esperado ilusionista agora virou carta marcada. São vários os senhores de terno que fazem bem o truque da moeda invisível. Eles até deixam o povo tocar o níquel para ver se é real, antes de dar sumiço ao objeto num passe de mágica. Os contorcionistas da esquerda, por sua vez, espremem-se dentro de caixas, cuja chave eles próprios perderam. E os políticos equilibristas continuam ídolos na arte de se manter na linha, mas desistem do próximo passo, se não estão suspensos por cabos de aço.
Eis que surge, então, dando a volta por cima, o esquecido e humilde palhaço. Com nome de erva daninha, ele não precisa de esforço para arrancar risos porque sua presença é, em si, a piada. O humor negro da figura sem-graça não supera sua tragicômica ascensão na preferência do eleitorado. “Pior que tá não fica”. Será que as pessoas acreditam mesmo nisso, ou também querem uma ponta como comediante, para tirar sarro dos candidatos que, por trás da pose séria, fazem zombaria? Pode ser ainda que, por algum motivo, tenham se identificado com o humorista. Ou, tentem pela primeira vez eleger o bobo da corte, para se livrar do encargo.
Com o fim da zorra gratuita, continua o noticiário abarrotado de denúncias repentinas e casos de corrupção, que são lançados para chamar a atenção, como malabares ao ar. A diferença é que as informações jogadas assim ao alto, quando puxadas pela gravidade da falta de fundamentos, não trazem a leveza das bolinhas coloridas que impressionam a vista sob as mãos ágeis do artista, mas sim, o peso e o ruído estridente do globo da morte.
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