Teve a impressão de que uma nuvem escura havia aparecido no céu enquanto piscara. Ia chover, pensou. E se entristeceu ao constatar o futuro temporal como mera repetição de outro tempo em que também gotas caíram do alto sem que ele tivesse dado valor.
A virada do clima pedia acompanhamento. Foi, então, à cozinha pegar uma tacinha de vinho. - Bebendo de novo, senhor Olívio?- Encheu um copo maior que a taça e virou as costas para quem lhe fazia a pergunta porque não gostava de ouvir os resmungos, ou talvez sequer os tivesse escutado.
Sentou-se, de novo, à varanda e lá veio lhe atormentar a mesma nuvem. -Aí vem pé d'água! - comentou como quem acaba de fazer uma descoberta, esperando continuação para a conversa. Havia alguém a lhe fazer companhia, além do céu nebuloso. Mas, essa pessoa preferia ficar em silêncio e olhava em direção à rua com ar desinteressado. Afinal, quem é você menina?- perguntou.
- Sou a Maria. O senhor não lembra?- Ele mudou de expressão e o nascer de um sorriso abriu-lhe o azul da face. - Mas, como você cresceu! Esse tempo voa mesmo. Ontem era um toquinho, e agora é uma mulher...
A nuvem escura continuou a fazer sombra na terra. - Será que vai chover, vô?- O velho franziu o cenho, entortou a boca, bebeu o resto de vinho tinto no copo de vidro que segurava e falou. - Mas, quem é você, hein? Onde é que tá a Laura? Aquela mulher dá chance pro azar...
Parou o discurso pela metade interrompido mais uma vez pelo anúncio de chuva que o distraía, como o mais importante dos acontecimentos. - Vai pra dentro que vai chover!- disse de repente para Maria.
Mas, por que tinha a impressão de estar repetindo aquilo? Por que cargas d'água o entorno, assim como ele, tinha de se tornar velho, desbotado e empoeirado?- Inquiriu assim o tempo, pedindo a indicação de um sentido para tudo. E fez isso, não por se incomodar com as rugas, os cabelos brancos ou a dificuldade para andar, mas porque se via agora incapaz de enxergar qualquer coisa nova.
- Está tudo bem, vô?- Quem perguntava trazia na blusa uma flor feita de miçangas e plantada com ramos de linha. - Mas, que coisa bonita essa...- A menina sorriu com o elogio, não por vaidade, mas por notar que Olívio ainda se admirava com os detalhes simples e belos da vida.
- Vai cair um toró e a dona Laura sumiu. Entra em casa e procura por ela, menina. Se aquela velha tiver na rua quando o temporal começar, vai ficar doente.- A jovem não se surpreendeu com a ordem do avô, que terminou de falar e cheirou o vinho a transbordar-lhe o copo. Quando deu o primeiro gole, já se sentiu enjoado. O horizonte mudou de cor e o vento soprou com força. Faria tempestade de novo- pensou- e, de velho, percebeu que a tormenta era só de passagem.
- Vamo entrar, vô! Agora vem chuva mesmo-. Enquanto a garota recolhia as cadeiras do alpendre de onde se via o jardim, Olívio quis sentir por alguns instantes o ar se mover com violência contra os ossos, fazendo inflar sua camisa amassada. Foi quando olhou para as folhas se balançando no canteiro e notou que as margaridas tinham secado.
- A Laura morreu? - indagou como se acordasse de um sonho. Só lhe respondeu a nuvem escura e carregada, que ainda se arrastava pelo céu armado.