VÂO
Até a ladeira tem dois lados,
o de escorrer ou no topo ficar.
Por que então me exigem tomada de partido
como se a vida fosse uma partida em tabuleiro quadriculado?
Até podemos ter jogadas preprogramadas,
mas jamais vencemos em absoluto o medo.
O maior concorrente que temos somos nós
enozados na teia inescapável da finitude
e da pequenez frente à magnitude
do universo.
Por que então me exigem buscar resposta pra tudo
e escolher uma direção a percorrer como escudo?
Vejo-me por várias trilhas,
sou capaz de correr milhas
sem achar que perdi minha incapacidade.
Porque não importa em que parte do mundo
ou do assunto eu esteja,
Manterei a fé ou o fim que me alveja.
Passe da lua ao sol,
não mudará o que o prende como anzol.
O ser vão da vivência
ou ser vir à existência.
Nem cá nem lá,
prefiro ser só vão
por onde me vão antigas ideias,
e não vou, mas vão me completar.
Perguntam-me se não acho o espaço entre lados vazio
e não quero agarrar-me ao fio de uma crença,
mas sinto mais paz atrás da iluminação obscura
garimpando fios de sol que atravessam os sentidos.
Foi-se tempo em que pelo vão só eu ía.
Agora por ele outros vãos vão também.
Espero a revolução feita de generosos espaços
onde a união seja a soma dos vazios.
Na matemática inexata da eternidade,
menos mais menos dá mais.
Sou cheia de mases e mais
e me preenche o que falta alcançar.
Resta-me o receio de que pelo vão
nada pare e a construção só resvale.
Pois o maior desafio de não estar preso a nada
é prender o real que tanto quer vazar.